Temas muito importantes em pauta
A advogada Marina Gadelha assumiu recentemente a presidência da Comissão Nacional de Direito Ambiental da OAB. PCN conversou com ela sobre a importância do cargo e dos assuntos polêmicos e imprescindíveis que ela terá nas mãos a partir de agora.
Uma escolha para a vida
Em poucos minutos de conversa com Marina Gadelha é possível notar a paixão dela pelo Direito Ambiental. Nascida em Campina Grande, a advogada dedicou muitos anos de sua carreira para estudar, pesquisar e ensinar sobre esta disciplina que, como ela mesma afirma, é nova, mas extremamente observada.
O interesse pela área surgiu ainda na graduação em Direito, na Universidade Federal da Paraíba, de uma forma um tanto inusitada. “Eu tive câncer aos 20 anos e precisei me afastar do curso para fazer um tratamento em São Paulo. Na época, o meu médico, Ricardo Marques, conversava bastante comigo, me estimulando a fazer planos e a pensar no futuro. Ele me contou de uma amiga que estava estudando Direito Ambiental e despertou em mim o interesse por essa área. Comecei a ler e a pesquisar enquanto estava em tratamento. Retornando ao curso, já tinha decidido que era o que eu queria seguir”, lembra Marina, que se formou em 2001.
Depois da graduação, ela investiu na carreira acadêmica e concluiu duas especializações, além de um mestrado na Universidade de Coimbra, em Portugal. Atualmente a advogada e professora licenciada da Facisa se dedica ao doutorado em Processo Civil e Hermenêutica na Universidade Católica de Pernambuco, direcionando sua pesquisa também para o Direito Ambiental.
Bastante engajada na política de classe, Marina Gadelha hoje é Conselheira Federal da Ordem dos Advogados do Brasil pela Paraíba e, em junho, foi convocada para assumir um importante cargo: a presidência da Comissão Nacional de Direito Ambiental da OAB.
Responsabilidade
A advogada revela detalhes das articulações nos bastidores em torno do cargo. “O presidente nacional da OAB [Claudio Lamachia] sabia do meu interesse e da minha dedicação ao Direito Ambiental, mas já havia informado ao presidente da seccional Paraíba [Paulo Maia] que não seria possível destinar a vaga para o nosso Estado. Por outras fontes nós ficamos sabendo que a disputa estava entre Rio de Janeiro e São Paulo. Mesmo assim, pouco tempo depois, me surpreendi com uma ligação informando que eu seria a presidente da Comissão Nacional. Foi muito gratificante”, conta Marina.
Os advogados que estão à frente das comissões temáticas da OAB atuam como observadores e consultores do Poder Legislativo, podem auxiliar o Supremo Tribunal Federal em processos importantes e dialogar diretamente com diversos órgãos e instituições de suas respectivas áreas de atuação. Na pasta de Direito Ambiental, Marina Gadelha terá uma grande responsabilidade nas mãos. “Muitas situações e acontecimentos atuais, como a transposição do Rio São Francisco e o rompimento das barragens de Mariana, em Minas Gerais, colocam o Direito Ambiental sob todos os holofotes da mídia”, ressalta.
Trabalho pela frente
“Nesse momento nós estamos na fase de elaboração do nosso plano de trabalho”, conta Marina, que adianta alguns de seus objetivos iniciais à frente da Comissão Nacional de Direito Ambiental da OAB. Uma das prioridades, segundo ela, será reforçar a comunicação entre setores produtivos e órgãos ambientais. “Existem queixas de ambas as partes em diversas situações, então nossa intenção é abrir o diálogo e encontrar soluções benéficas”.
Marina lembra da importância de acompanhar de perto tramitações da matéria no Poder Legislativo. “Eu tive a oportunidade de conversar recentemente com o senador Cássio Cunha Lima, que tem um projeto de lei para inserir meio ambiente no currículo escolar formal”, exemplifica.
O cargo de presidente exige viagens frequentes. “Desde que recebi a nomeação surgiram vários convites para palestras no Brasil e até em Portugal, além de muitas demandas de colegas da OAB por temas para as reuniões, que acontecem em Brasília”, conta Marina, que está com as atividades focadas no planejamento para os próximos três anos.
As principais pautas
“As pessoas costumam imaginar apenas um lugar verdinho quando se fala em meio ambiente, mas não podemos se esquecer do meio ambiente urbano ou do meio ambiente de trabalho, por exemplo, que tem o homem como parte ativa”, ressalta. Dentro dessa pauta, a Comissão Nacional de Direito Ambiental lida assuntos de grande relevância, como o desmatamento, a exploração de recursos naturais e os crimes ambientais. “A crise hídrica, que antes atingia mais o Nordeste, hoje se tornou um problema também de outras regiões do país”, acrescenta Marina.
A advogada analisa a evolução do Direito Ambiental no Brasil nos últimos anos. “Eu considero a nossa legislação extremamente moderna nesse assunto. Claro que ela é falha em alguns pontos, mas é muito protetiva do meio ambiente. Enquanto eu estudava em Coimbra, por exemplo, mostrei nossa legislação sobre postos de combustíveis a uma professora e ela ficou impressionada com a preocupação com os detalhes. Mas temos aquela velha questão da falta de implementação…”
“Um dos problemas da legislação brasileira é colocar nas mesmas circunstâncias empreendimentos que são muito diferentes, como um posto de combustível e o um aeroporto. Isso é um gargalo do processo de licenciamento ambiental, mas eu já vi a intenção do ministro do Meio Ambiente [Sarney Filho] de tornar mais ágil o processo de empreendimentos com um impacto menor, em contrapartida a obras de grande infraestrutura, como usinas, portos e rodovias, que realmente demandam um processo mais cuidadoso”, explica.
Nas universidades, segundo Marina, o Direito Ambiental também ganha destaque, com as instituições reformulando o currículo para transformar a disciplina de eletiva para obrigatória. “A situação tem melhorado muito por causa dos concursos públicos. Hoje é impossível um juiz, um promotor ou um delegado desconhecer a matéria”.
Para ela, a relevância dos temas influencia diretamente nessa evolução da área dentro do Direito. “Os recursos são escassos e finitos. A população aumenta e a demanda por esses recursos, consequentemente, é cada vez maior, exigindo novos investimentos em tecnologia e pesquisa para encontrar alternativas. Um exemplo claro é o álcool [usado como combustível], retirado de um recurso renovável, a cana de açúcar, e não do petróleo, como é o caso da gasolina”, explica.
Representatividade
Marina Gadelha é a primeira mulher paraibana a assumir a presidência de uma Comissão Nacional da OAB. Foi inevitável conversarmos com ela sobre a conquista de espaço das advogadas no mercado de trabalho e em grandes posições de gestão.
“O Brasil teve uma mulher como presidente da República, mas no Legislativo o número de mulheres ainda é muito pequeno. A participação feminina na advocacia, no Ministério Público e no Judiciário é crescente, mas nós lutamos para que o envolvimento da mulher cresça e que ela conquiste mais espaço também na política de classe, como é o caso da OAB”.
Marina lembra da exigência de uma porcentagem mínima de mulheres nas chapas para a mais recente eleição da OAB, o que ela considera um avanço, e cita a importância do movimento nacional ‘Mais Mulheres na OAB’, que tem como grande objetivo despertar o interesse pelo engajamento.
“Eu sei das dificuldades, daquela conhecida dupla jornada de dedicação à profissão e à família, com mil atribuições no trabalho e dentro de casa. Na rotina da profissão, existem necessidades exclusivas e próprias das mulheres, como antecipar a audiência de uma advogada gestante ou ter um espaço para amamentação, por exemplo. São necessidades que só se fazem sentir pelas próprias mulheres. Daí a importância do nosso engajamento”, comenta.
Urgência
Mesmo com a agenda concorrida, Marina não deixa de lado sua preocupação com um tema que está em constante discussão em Campina Grande: a crise hídrica. “Tenho fortes lembranças da infância dos períodos de seca no sertão paraibano. O problema que Campina enfrenta hoje é gravíssimo. Não sabemos até quando teremos água nas torneiras ou até mesmo para beber. Nós, brasileiros, precisamos lidar melhor com a água. Eu fico indignada, por exemplo, com a descarga no banheiro ser com água limpa e não com água de reuso, que sai da pia, como acontece no Japão”.
Marina alerta para o espectro de atuação necessário para solucionar o problema da falta de água: “As soluções emergenciais estão nas mãos do poder público, mas, muito além disso, precisamos de educação e de fortes campanhas de conscientização. A OAB pode e deve colaborar”.
Fotos: Kalina Aires
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